Quarta Parede

OPINIÃO

Por Cláudio Eduardo

Já tinha dado por encerrado o dia de trabalho. Estava à espera da van que me levaria ao hotel, quando dou conta que elas aguardavam ali pela mesma razão. Há pouco, estavam duas mesas à frente enquanto jantávamos. Novamente, pude assisti-las feito público. Foram longos abraços e largos os sorrisos compartilhados com a equipe que as acompanharam nas apresentações.

Essa sensação de público em cena já não era novidade, pois horas atrás estava no apartamento delas, ali no Hotel Atlântico. Ouvi quando bateram à porta, mas fui previamente avisado de que não poderia atender. Estava praticamente à mesa, mas não poderia ali apoiar minhas coisas. Senti o cheiro do creme que passaram na pele, mas me portava e era tratado tal como uma cadeira… agora, não qualquer cadeira!

Era uma cadeira nova, caríssima!  

Em alguns momentos, eu me sentia era uma câmera que dava os cortes na cena, para a qual elas não poderiam olhar. Acho que essa sensação de ser câmera pode ser resquício do período alto da pandemia, quando tudo acontecia dentro de casa e através das telas. E quantas reminiscências ainda surgirão, não é mesmo?

Naquele lugar, poderia ser ainda uns seus antigos bibelôs, talvez trazidos de sua última viagem à Portugal. Ou quem sabe uma das jiboias colocadas no alto do bar, aquela jarra plástica na forma de abacaxi ou aquele horrível porta trecos azul no centro da mesa.  São tantas as possibilidades de existir dentro de um apartamento, ou de um corpo, quantas são as formas de sermos e nos amarmos como somos.

Mire, penso que ali, naquele momento da peça ou da pandemia, só não viramos coisa de vez, porque naquele apartamento ou em sua casa, em meio à vida doméstica, entre lavar os pratos e cuidar do cachorro, a gente também se percebeu. Foi preciso cuidar do íntimo, olhar para o essencial e pouco nos lixarmos para algumas convenções. Facilmente abrimos mão dos sapatos, dos crachás, mas não dos amores abusivos.

Dos amores que precisam ser vividos.                                                                                                                                                                                                 

Ah! E são argentinas, então, caso rolasse alguma interação no caminho, aquela seria uma oportunidade e tanta de exercitar o espanhol que aprendi quando borracho em Barcelona… Buenos Aires, não sei bem. Enfim, havia ali uma condição feliz de trocar ideia sobre qualquer coisa até o hotel, não o Atlântico, o Novotel no qual estou. Eita… já não sei se aqui escrevo sobre as personagens ou sobre as atrizes de La mujer que soy, pois neste processo explodimos a tal quarta parede.

 



A propósito, caro/a leitor/a, sei bem que você está ai. Oi! Chega mais, vou te contar o que hablamos no percurso, não tudo, pois o sistema é bruto, mas o possível de ser dito. Agora, aproveite também os não ditos que há no interior do que é dito. Teatro é também um passeio pelo implícito, pressuposto ou pelo que tiver subentendido e até não entendido. É como disseram em Festa de Inauguração, a obra é também sobre o que deixam de contar.

De cara, ao entrar no carro, percebo que havia ali certa broma, uma zuera vinda da equipe para com uma delas, pois enquanto ela agradecia por algo que não identifiquei bem o quê, alguém disse que era mesmo justo tal agradecimento pelo tanto que ela os devia. Então ouvi algo que entendi menos ainda. Generosamente, uma das atrizes se prontificou a explicar o que seria um ditado popular na Argentina, algo do tipo:

Não precisa ajeitar as meias, pois a foto será do peito para cima.

O que compreendi como: também não é pra tanto, vai! Não exagere.

Dali tentamos outro ditado: Não gaste vela com defunto ruim! Aí, deu ruim.

Lembramos dos malditos, dos ditos, dos cujos candidatos a ditadores populistas. Sobre nossas dores políticas. Sobre a história vindo e indo de mal a peor!

Contudo, como todo bom tango ou samba, não nos esquecemos de esperançar. No caminho, lembrei de uma música que aprendi em um bar portenho que nos tocava sobre nossa capacidade de volver, volver, volver! Uma delas reconheceu qual era e, depois de xingar algo que entendi muito bem, começou a cantar, cantamos!

Passados três quilômetros e alguns dias, sigo pensando no que deixamos de falar. 

Não dói em vocês? Não falar. O silêncio pode ser afirmativo e repleto de sentidos.

Mas no teatro e nas vans da vida, ousemos nos encontrar e falar!

Coragem.

Dale.