“Gostei”. “Não gostei”. “Acho que preciso de um tempo para processar tudo”. “Estou muito emocionada”. “Que bom que a gente veio”. “Acho que perdi alguma coisa”. Uau!!”
Durante o Mirada – Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas, se as escadarias que ligam o teatro ao foyer pudessem revelar aquilo que testemunham ao fim de cada espetáculo, provavelmente diriam que uma das facetas mais intrigantes do teatro é esta capacidade de, em um mesmo momento, se completar de maneira tão distinta em cada indivíduo na plateia e, a partir daí, gerar o debate e a criação de outras tantas perspectivas, outros tantos espetáculos.
Durante a apresentação da companhia Teatro do Vestido e o seu “Viagem a Portugal, Última Paragem ou O que Nós Andámos para Aqui Chegar”, decidimos acompanhar este movimento e nos tornamos observadores também dos atos pré e pós espetáculo.
Entra em cena Francisco Guerra, 65 anos, morador da cidade de Santos.
“Moro aqui perto e há muito tempo não vou ao teatro. Como havia ingressos disponíveis, achei que seria uma ótima oportunidade, ainda mais sabendo que o Sesc trouxe artistas de Portugal. Minha expectativa é de que seja um espetáculo bem interessante”.
Já para as amigas Maria Cristina Casado, 57, também de Santos, e Sueli Alves do Nascimento, 46, a escolha não se deu de maneira aleatória.
Como professora de Língua Portuguesa, fã de José Saramago e bastante interessada pela história do país lusitano, Sueli escolheu a peça de maneira tão assertiva, que Maria Cristina nem sequer pestanejou. “Espero que seja um espetáculo crítico e que mostre reflexões sobre o mundo atual”, contou.
Convencida pela sugestão da amiga, Maria também se encheu de expectativa:
“Também torço para encontrar um espetáculo bem questionador e que trabalhe um pouco a questão da colonização e da descolonização. Afinal, falar de Portugal no ano do bicentenário da independência brasileira gera sensações muito controversas, mas inevitáveis porque, de certa forma, somos frutos dessa controversa.”
Aos poucos, as vozes que enchiam o foyer passam a ocupar as escadas e, de lá, seguem para o teatro.
Pouco mais de uma hora, o silêncio do lado de fora do teatro é interrompido. Com passos apressados, pessoas saltam os últimos degraus da escada e avançam rumo a outro espetáculo.
Passados alguns minutos, a onda que outrora subiu, desceu. Neste movimento reencontramos as amigas Sueli e Maria Cristina.
Com o programa da peça em mãos, Sueli revelou que, se fosse o caso, naquele momento não seria possível dar um veredito. “Apesar de perceber certas referências, não consegui realizar todas as conexões durante o espetáculo, mas logo que a luz acendeu, com o programa na mão, as lacunas foram se preenchendo. Então, gostei do espetáculo, mas ele ainda está se construindo em mim. É como diz a peça: a viagem não tem um fim.”
Já para Maria Cristina, apesar de concordar com a amiga no que se refere à ausência de certas referências sobre a história portuguesa, sobretudo a contemporânea, o espetáculo foi surpreendente.
“Foi muito bem pensado, elocubrado. Nas peças de montar, nas projeções. Tudo minuciosamente pensado em detalhes. Às vezes parece que foram virginianos que fizeram”, diverte-se.
Retorna à cena Francisco Guerra, acompanhado pela amiga Márcia Andrade, 58, que veio à peça a seu convite.
Sem titubear e ciente de que a pergunta viria, Francisco atalhou: “Olha. Eu não entendi a peça. Então, não posso dizer que foi do meu agrado. Mas como ainda tem muito Mirada pela frente, pretendo assistir a outras peças.”
Para Márcia, que é de São José dos Campos e, por coincidência, visita a cidade de Santos durante o Festival, a sensação é um pouco ambivalente, mas, em certa medida, bastante promissora.
“Achei a história boa, com um tema muito interessante, mas acredito que poderia ter sido contada de outra maneira. Mesmo assim, eu estava comentando com o Francisco que, apesar de tudo, eu senti que eu gosto de teatro. É difícil ter este tipo de oportunidade, né? Então, depois que a gente vê, dá vontade de ver mais”.
Não há consenso e nem era esse o objetivo.
Em breve, as escadarias que separam o teatro e o foyer serão tomadas por outro punhado de vozes e expectativas. Posteriormente serão ocupadas por vozes e elogios, críticas, lágrimas, sorrisos e, quem sabe, por Márcia Andrade que descobriu, aqui no Mirada, que gosta de teatro.
por Wagner Pinho